sábado, 14 de março de 2009

Um bom cão

Eu tinha sete anos e queria um cão. E deram-me esse presente no Natal de 1996. Era uma coisinha minúscula e branquinha, um narizito preto e olhos castanhos destoando na alvura do seu pêlo sedoso. Um autêntico peluche com vida. Parecia ter pilhas no lugar do coração, era impossível que parasse quieto ou se deixasse de esconder debaixo dos móveis ou atrás do sofá. Tímido por natureza, só havia uma coisa em que se libertava absolutamente: saltar. E assim lhe arranjámos o nome, análogo ao do canguru que aparecia na televisão quando os meus pais eram pequenos - Skippy. O meu avô, que não atinava com o inglês, teimava em denominá-lo "rente-ao-chão".
O Skippy era moçambicano, nasceu em Novembro de '96 em Maputo e viajou alegremente para Portugal no bolso de um amigo do meu pai, que declara que "ainda mamou alguns whiskeys de borla à custa do cachorro", já que uma das hospedeiras de bordo se apegou ao bichon-maltês bebé durante o longo vôo.
Durante quase 13 anos foi o meu bichinho, um bom cão, não fazia barulho nem mordia ninguém, nunca estragou mobília, apenas roeu alguns chinelos durante a infância, tendo-se depois corrigido. Cresceu até aos 50 cm certos de comprimento e vinte de altura, imponente nas patitas ágeis. Adorava andar de carro, especialmente em grandes viagens, tipo Porto-Algarve, estava nas suas sete quintas. O seu ódio por gatos foi ironicamente suprido no seu último ano de vida, quando introduzi cá em casa um felino ladrão que dá hoje pelo nome de Xico. O Skippy, já reformado e cansado, ainda foi para o gatinho uma espécie de mãe (a mãe que o Xico não teve), dormindo ao seu lado e brincando carinhosamente com ele.
Mas, repentinamente, a sua idade avançada e resultados alarmantes em análises ao sangue ditaram a decisão incontornável. Ontem, tive de me despedir dessa bolinha de pêlo. E porventura acharão parvo alguém escrever tudo isto sobre um animal de estimação. Mas não se tratava de um cão qualquer. Era o meu cão, e a melhor prenda de Natal que já tive. A sua partida significou mais uma extracção da minha infância, a Vida não dá nada a ninguém, só tira, mas desta vez fui eu quem tirou algo de mim mesma.
O Skippy foi um bom cão...foi um óptimo cão. Espero ter estado à altura de tudo o que ele me deu, naquele momento em que foi preciso escolher entre o meu egoísmo e o seu bem-estar.
Eu tinha sete anos e queria um cão. Eu tenho dezanove anos e libertei o Skippy. Quando me despedi dele e o coloquei de volta no cubiculozinho onde estava internado, os seus olhos quase cegos fitaram-me tristemente. "Mas não me levas contigo?", parecia perguntar. Não...não o podia levar comigo. E afinal de contas, roubada mais uma peça da infância e tomada uma decisão de adulta consciente, sinto-me novamente aquela menina de pouco mais de meia dúzia de anos.




Como são arrogantes os humanos que se acreditam adultos capazes e corajosos...no fim, por muita infância que nos roubem ou tiremos de nós mesmos, nunca deixamos de ser aqueles impotentes miudinhos que queriam tanto um cão.

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