quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Consequências do excesso de estudo

C. - Hoje o episódio do Babar tem uma lição de Direito Administrativo!
R. - (odeia o Babar desde criança) Poupa-me. Porquê?
C. - É verdade! Porque os elefantes estão a tentar construir uma linha de comboio e ela tem que passar pelo "vale agradável"que é um sítio muito especial para o Babar...Mas ele não pode deixar de passar por lá com o comboio, porque o bem geral é mais importante... Ou seja: a Administração está vinculada a prosseguir o bem comum, para além daquilo que sejam os interesses individuais de cada um... Mais, a obra está a ser feita sem estudo de impacto ambiental.
R. - Tu obviamente não vives em Gondomar.
C. - Mas que pensas? Em Oliveira de Azeméis o carro e o motorista do Presidente da Câmara eram usados para levar a sua excelentíssima filha à faculdade em Viseu. Claramente tratava-se de interesse público... Ela de certez que um dia vai trabalhar para a Câmara e fazer muito bem à comunidade!
R. - Deves querer que te fale em electrodomésticos de pequena dimensão gentilmente oferecidos às velhinhas...
C. - E vais dizer que não é uma questão de interesse público?
R. - Ver o Babar realmente faz-te mal.

De realçar que C. tem 20 anos e R. 19.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Socorro

"O teu gato aprendeu a abrir o microondas".

Como se não bastasse o ladrão sem vergonha que é, o Xico tem um estilo de McGiver que assusta. Seja do trauma de ter sido rejeitado pela mãe e pelos irmãos, seja de quase ter morrido de fome em pequeno, seja da marotice em si, comida alguma está a salvo perto dele. De realçar que o Xico dorme na cozinha. Já não se deixa nada a descongelar na banca e os tachos e panelas são colocados fora do seu alcance (por vezes não tão fora e lá temos o gato refastelando-se em salada russa pouco depois...). Há uns dias a senhora minha mãe foi dar com ele a abrir o microondas muito sossegadamente e consultar o seu interior, para depois dar meia volta, desiludido por não ter obtido morfes para a sua bichana pessoa.

Agora já sabemos por que é que da última vez que lá deixámos uma posta de bacalhau, no dia seguinte já só encontrámos o prato.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sobre as listas anexas ao Código do IVA...

A bela da coerência do legislador tuga! Por que razão será que ao enxofre sublimado é aplicada a taxa reduzida de IVA e aos Cheetos a taxa intermédia?! O enxofre come-se melhor?
Fiquei curiosíssima para saber que bem essencial é esse do enxofre sublimado. Meus amigos, o enxofre sublimado é exactamente um must da agricultura portuguesa. Aparentemente é um fungicida, servindo para assassinar os pobres bichinhos campinos que ameaçam arruinar as hortas e os pomares. Ó senhores ministros , por mim, comam o enxofre à vontade...

E os Cheetos, cuja função é indiscutivelmente mais nobre - leia-se, contribuir para a realização do indivíduo, que tanto prazer retira do seu consumo -, foram atirados para a Lista II, no 1.9! Injustamente marginalizados, abandonados à taxa intermédia juntamente com outros excelsos alimentos como as pizzas e as lasagnas pré-congeladas, as compotas, o café e as uvas-passas! E o estupor do leite dietético na Lista I!, gozando dos 5%! Patifes! As esposas estão gordas? Que corram!




Já as forragens e a palha compreende-se que estejam sujeitas a taxa reduzida. Afinal de contas, há muita gente no Governo para alimentar.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

"Oh Mãe, podemos dar xanax ao gato?"

A pergunta caiu como uma bomba. O P., do alto dos seus 9 anos, indiscutivelmente preocupado com o bem-estar mental desse felino assassino que é o meu gato de meio ano e muito pêlo, queria saber se podia dar xanax ao pobre do Xico.
O bichano, orgulhosamente deitado sobre a sua última criação artística - isto é, um rolo de papel de cozinha completamente desperdiçado pelo chão, rasgado, arranhado, trincado e o que sobrou valendo de almofada - olhava-nos com os seus orbes verdes-azulados invulgarmente grandes, como quem diz "Sei que fiz mal mas também sei que vocês não têm coragem de me castigar porque sou demasiado fofo." (E tem razão.)

Se o puto tivesse perguntado, "Oh Mãe, podemos dar-lhe um chazinho de camomila?" era uma coisa. Agora um pirralho que nem uma década de vida tem saber para que serve o diabo do medicamento... Só faltava ter explicado que actua sobre o sistema nervoso central.
"P., tu não sabes para que serve o xanax."
*Tom ameninado como só as crianças sabem fazer quando querem mesmo meter nojo a um adulto*"E sei! É para quando se tem crises de nervos...e de ansiedade! E não achas que o Xico está histérico? Olha para o que ele fez!"

E o desgraçado do Xico a enrolar-se na sua vítima de papel, alheio às futilidades a que os humanos tanto ligam.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Levem-me à Broadway... =D

The Lion King

Circle of Life
He Lives in You (Reprise)
Shadowland

No Lar das Virtudes

Noutro dia deu-me para dar um salto ao Lar das Virtudes e ir fazer um pouco de companhia à Justiça. Lá estava ela no sítio do costume – ao canto da sala comum, sozinha, a ler. Desta vez era uma cópia d’ O Principezinho. Em Braille, claro está, ou não fosse ela imparcial e virtuosamente cega.
- Boas tardes! Então, diga-me lá de sua justiça!
Nem respondeu à minha gracinha trocadilhada. Compreende-se. Tão farta está que a gozem… Demorou um bocado para me passar cartão. Ao fim de uns minutos, porém, encolheu os ombros e resmungou que a Honra era uma inútil, que a tinha deixado mal quando estavam a jogar à sueca. Olhei para trás. A Honra entretinha-se a fazer tricot ao lado da Lealdade, que adormecera sonoramente na poltrona, a cabeça grisalha pendendo para trás. Tentei confortar a Justiça; afinal de contas, a sua parceira há muitos séculos que vem sofrendo de profundas desconcentrações. Ela rosnou que para isso a Dra. Sociedade receitava umas pílulas, a Honra é que não as queria tomar.
Fez-me depois o relatório habitual da vida no Lar. O Amor, que tinha estado muito mal das costas, começava agora a revelar tímidas melhoras, também por dedicação da Amizade. Esta também já recuperara dos excessos alimentares do Natal, tem os diabetes controlados. Pior estava a depressão da Temperança. Acha a Justiça que a irmã mais nova nunca se vai recompor da morte do marido, o Altruísmo. A Compaixão, que estava a fazer palavras-cruzadas num dos sofás – ou a tentar, já que a visão está cada dia mais turva –, cismara anteontem que o Perdão (cleptomaníaco pela força das milenarmente repetidas desilusões) lhe roubara os óculos, tendo as manas Paz e Serenidade levado quase uma hora para a fazer entender que os tinha deixado na mesinha de cabeceira. Essas tinham enveredado em mais uma das suas teimosas horticulturas, arrastando consigo desta vez a surda Paciência (“Não sei para quê, aquela terra nunca dá fruto nenhum!”, reprovou a Justiça). Acabámos por rir juntas quando ela me falou do recente torneio de xadrez em que a Sabedoria ludibriara subtilmente a Caridade, brindando-a com um admirável xeque-pastor que deixou a filha do falecido Empenho amuada durante dias. Contudo, este último episódio deve ter feito a Justiça lembrar-se do que tanto a remoía interiormente quando eu chegara, uma vez que se endireitou prontamente e me contou, séria e firme, a sua desdita. Protestando contra a “desavergonhada falta de atenção e portanto indiscutível negligência” da sua parceira de jogo, deu-me a saber que a Honra lhe tinha metido a bisca de trunfo mesmo debaixo do ás da mesma pinta que o Bom-Senso jogara, para triunfante vitória deste e do Respeito, seu eterno compincha nas cartas. Vendo-a nervosa, tentei desviar o assunto para a leitura que a ocupava, não fosse dar o treco à Justiça que, como é do conhecimento geral, há muitos anos que sofre de ansiedade.
Foi então que a Verdade chegou, altiva nas suas felinas patinhas cansadas, e, num esforço admirável, saltou para o colo da dona. A Justiça acariciou-lhe o longo pêlo branco e sorriu-me:
- Até ela está velhinha e cansada, vês?
Ronronando, a gata enroscou-se e adormeceu. Assustou-se pouco depois, eriçando o pêlo quando a Lealdade acordou com o próprio ronco. Olhando confusamente em volta, esta tossiu para disfarçar a vergonha e pôs-se a conversar com a comadre do lado, fitando-lhe o tricot. E a pobre da Verdade tornou a dormir, sob as carícias da mão encarquilhada da Justiça, que suspirava.
- É assim…O mundo rejeita sempre os antigos. Houve tempos em que fizemos falta, aí sim, tudo nos seguia. Agora… - A Justiça riu baixinho. – Olha, filha, falta ainda podemos fazer, mas ninguém nos quer.
Procurei esconder o quanto concordava com a minha virtude favorita e recitei-lhe um poema qualquer em latim, que ela escutou deliciada. A Justiça sempre gostou do latim. Dei-lhe um beijo na bochecha e prometi voltar. À saída, a Dona Esperança, que era a ama de todas aquelas idosas e surdas e teimosas e cegas e débeis e senis e outrora majestosas virtudes, agradeceu a visita. Pediu-me para tornar lá e que trouxesse outros jovens comigo.
Não me atrevi a mentir tão desavergonhadamente ao ponto de lhe garantir que traria companhia, mas também não me pesou a consciência quando assegurei regressar ao Lar das Virtudes.